Ontem, esperando mais um episódio de um programa que me
extasiaria na falsa adrenalina de torcer por um vencedor (ou só assistindo mais
um reality show de culinária), coloquei a isca para boiar sobre as tensas águas
da ansiedade, esperando o peixe de lábios feridos que novamente viria à
superfície para morder o amargo sabor de outro dia comum. Não foi preciso mais
do que um suave puxão para que ele me levasse às profundezas do meu raso conhecimento
sobre coisa nenhuma, e ali, nadando em braçadas disformes, enxerguei comigo
tantos outros corpos presos na distante correnteza da proibição.
A odiosa maré carrega consigo pessoas atadas de mão em mão
que não (se) permitem a felicidade dos outros senão aquela que está entre suas
palmas. Aquela, que por ser construída em conjunto, terá de ser um capítulo
eterno de páginas puídas, de letras mal cabidas, de frases apertadas e palavras
esquecidas. A água, escorregadia, volta e meia carrega consigo alguém que já
não pode mais segurar aquela pele enrugada, e esse alguém esbarra aqui ou ali
em um transeunte que o afasta da correnteza. Os furiosos abandonados apertam os
dedos contra as palmas enquanto procuram pela correnteza uma forma de justificarem
os motivos explícitos. "Eu te proíbo", sibilam, "de ter outra
mão atada à sua".
Vejo os sentimentos partindo em uma nova jornada, mas a
correnteza alimenta a incessante necessidade dos egos proibidores, como um
sangue envenenado que não se pode mais limpar. E dali me afasto, atando
felizmente minhas mãos aos firmes dedos desse alguém que me escolheu para
podermos, juntos, voltarmos à superfície.