17.6.15

Eu te proíbo.

Ontem, esperando mais um episódio de um programa que me extasiaria na falsa adrenalina de torcer por um vencedor (ou só assistindo mais um reality show de culinária), coloquei a isca para boiar sobre as tensas águas da ansiedade, esperando o peixe de lábios feridos que novamente viria à superfície para morder o amargo sabor de outro dia comum. Não foi preciso mais do que um suave puxão para que ele me levasse às profundezas do meu raso conhecimento sobre coisa nenhuma, e ali, nadando em braçadas disformes, enxerguei comigo tantos outros corpos presos na distante correnteza da proibição.

A odiosa maré carrega consigo pessoas atadas de mão em mão que não (se) permitem a felicidade dos outros senão aquela que está entre suas palmas. Aquela, que por ser construída em conjunto, terá de ser um capítulo eterno de páginas puídas, de letras mal cabidas, de frases apertadas e palavras esquecidas. A água, escorregadia, volta e meia carrega consigo alguém que já não pode mais segurar aquela pele enrugada, e esse alguém esbarra aqui ou ali em um transeunte que o afasta da correnteza. Os furiosos abandonados apertam os dedos contra as palmas enquanto procuram pela correnteza uma forma de justificarem os motivos explícitos. "Eu te proíbo", sibilam, "de ter outra mão atada à sua".


Vejo os sentimentos partindo em uma nova jornada, mas a correnteza alimenta a incessante necessidade dos egos proibidores, como um sangue envenenado que não se pode mais limpar. E dali me afasto, atando felizmente minhas mãos aos firmes dedos desse alguém que me escolheu para podermos, juntos, voltarmos à superfície.

12.1.15

Mancha de limão

Minha mãe disse que sai. "É só não tomar sol". Eu até gosto dela. Da mancha. Tomo sol sem contar pra ninguém. A gente se entende, eu e a mancha. Um propósito acidental que fez de mim menos uma dos não-manchados. Eu sou mais uma.
Meu pai disse que fica. "Já era". Não me importo se vai ficar. Se vou ficar. E fica mesmo, a mancha. Mas o resto sai, com sol ou sem. Um acidente proposital que fez de mim a única. Eu sou mais uma.

29.11.14

Poderíamos, e talvez estivéssemos, comemorar uma hora ou sete anos de coisas que pareciam meio eternas, meio etéreas. E ali, no meu sussurro fingido, éramos o que o tempo fez questão de afastar para reunir em um outro momento, em uma hora ou sete anos, em vinte histórias e nenhum acontecimento.
E essa era a graça: éramos simples como a vergonha de perguntar o que sentíamos ali ou há semanas atrás, o que escondíamos dos anos que amadureceram nossas tantas vontades. Pra você, ainda sou a menina que tem medo de trovão, e agora a mulher que tem medo de te perder. E talvez eu ainda me disfarce nos seus braços para acalmar a agonia de um pensamento: os estrondos que me causam a tristeza de não lhe ter por perto.
Uso das minhas simples palavras como uma forma de dizer como somos tão simples, e talvez tão piegas que desagradamos até mesmo meus antigos deboches. Em você, sou simples, como as palavras que uso em meus fingidos sussurros na certeza que amar é questão de uma hora ou sete anos.

17.11.14

Eu estava de azul e você estava de saída. Não queria que às suas costas ficasse a impressão de que éramos um novo amor. Usei sua cor favorita só pra que você a odiasse por aí. Algumas coisas nunca mudam.
Não tranquei a porta, mas escorei alguns livros, na esperança de ter o seu barulho de volta quando a porta novamente abrisse. Dali pra meia-noite, tive medo dos ladrões. A fechadura emperrou daquele jeito que eu não tive paciência quando você tentou me ensinar a destravar. Seu barulho tornou-se surdo.
Você estava mesmo de saída, mas se voltasse, destravaria a porta pelo menos, e eu não precisaria gastar aquela graninha da cafeteira nova só para consertar o estrago de não te ouvir. Mas até que um cafezinho faz falta.

27.8.14

Eu tenho uma mania engraçada de viver a vida pra contar histórias ao meu ego. Você franziu as sobrancelhas quando eu disse que a liberdade era nossa, mas não era: eu só queria pagar pra ver.
A gente se beijou no chão da varanda quando a música chegou naquela parte antes do segundo refrão, que era meio estourado, e eu tinha escolhido de propósito só pra gente ter um ritmo dentro e fora. Que bom que a gente tinha pressa de cometer os nossos erros, pro arrependimento vir devagarinho e nos transformar em velhos desconhecidos.
Você vai ser uma boa história para o meu ego, mas enquanto não começamos o último parágrafo, vou passar para a próxima música.

26.8.14

Nos últimos tempos, minha médica tem feito perguntas sobre as quais tenho a resposta na ponta da língua, mas prefiro que minhas palavras vagas tomem o tempo dela. As vezes só tenho vontade de chegar naquele divã e falar "você me fez cair no cheque especial", mas sei que ela já me levantou de outras coisas.
Ela já percebeu que de uns meses pra cá eu ando meio obcecada pela janela enorme que fica virada para a mórbida vida dos aposentados das setecentas. A janela vai da minha cintura até quase tocar o teto. Posso ver, mas não posso ser vista. Encosto a testa no vidro e espero o cessar das interrogações. Tomo coragem.
"Daqui dá pra pular."
É só mais um susto. Eu sei que ela se esforça pra me curar, afinal, quem vai querer se tratar com a psicóloga de uma paciente que se suicidou? Ela me olha, mas não me vê. Porra, não é depressão, é só questão de prioridade, sabe?
Meu casaco, meu laudo, minha bolsa. Olho de novo pra janela. Antes de fechar a porta, ainda me faço ser ouvida.
"Você já tentou, né?"

18.7.14

Você de novo. Você, minha novidade repetida em versos e estrofes como quem perdeu o ritmo do que ficou pra trás. Você, minha reedição de antigos álbuns que cantarolaram nossa trilha. É você de novo, e ainda bem. Você, meu vinil remasterizado, minha música favorita, meu cd arranhado. Suas repetições em aleatório que brincam no meu ouvido como quem domina meu coração. Você, a sintonia dos meus atrasos, a harmonia do meu pulso, o compasso das minhas mãos. É você, de novo.