17.6.11

Encontrei meu pai. Ninguém tinha pedido que eu fosse até lá, mas como bom ser humano, me fiz de surda. Mesma porta do mês passado, mesmo rangido. Todo jaleco branco que esvoaçava na minah frente reclamava sobre alguém passar um óleo ali, mas ficava só por isso. Uma coisa era diferente: tinham trocado as flores de plástico por flores de verdade, e acho que eram orquídeas. Sempre odiei botânica, então nem fazia questão de saber. Meu pai, coitado, é que não prestava atenção nesses detalhes...
Quando eu cheguei, foi o alvoroço silencioso de sempre. Era cedo ainda, seis e meia me registrei, sete horas me deixaram entrar. O globo vítreo me lançou o olhar paterno que eu já esperava, mas a boca continuava fechada. A televisão falava um blá blá blá interminável, que me causava arrepios de irritação. Minha única coragem era a de abaixar o volume. Só assim eu sentia certeza de que não estava só. A cadeira, a de sempre. Antes de me sentar, vi um esboço de sorriso nas peles flácidas do velho.
Serviram duas refeições pra ele até a metade daquele dia. A outra metade passou correndo, como se eu tivesse devorado o tempo às pressas por motivos maiores, compromissos que exigiam muito mais de mim. Doze horas haviam se passado desde que eu chegara ali. Lugarzinho frio dos diabos! De repente meu pai, que não gostava muito de falar, me chamou pra um abraço esquisito. Começou a falar tudo quando eu encostei a cabeça no peito dele, em um código que me remetia à época em que eu tinha sido lobinho. Código-morse. Não tive muita certeza sobre o que ele tentava me dizer, mas ouvi mesmo assim.
Depois que ele terminou de falar, veio um rimbombar esquisito, e os sussurros codificados quebraram-se em um descompasso de bipes e choques. Não durou muito... As linhas da partitura logo voltaram a se recompor, dando lugar a uma nota musical contínua, rascante. Eu tinha entendido, finalmente. Já não havia mais nada a ser feito. Não naquele dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

say what you will say